Tuesday, January 4, 2022

Confúcio e XJ

 Jan22

rande parte da arquitetura social e política da China se sustentou sobre os pilares do confucionismo. Mas, se para jovens como Wang tornou-se normal homenagear o filósofo, como fizeram os imperadores da China por séculos, é porque há um movimento de reabilitação de Confúcio, iniciado há alguns anos e intensificado sob o governo atual, do presidente Xi Jinping. O pensamento do filósofo agora é parte do discurso oficial, assumindo a fusão de ideologias que de certa forma sempre caracterizou o sistema político implantado pelo Partido Comunista da China (PCC). O resultado dessa alquimia é um Estado “leninista confucionista” na definição do influente sinólogo americano Lucian Pye, marcado pela tensão entre o revolucionário e o conservador, o passado e o futuro, uma versão do materialismo dialético de Karl Marx com características chinesas.

A volta à cena não foi livre de percalços. Em 2011, uma estátua de oito metros de Confúcio foi inaugurada na Praça da Paz Celestial, o coração de Pequim. A homenagem gerou controvérsia: de um lado, críticos do filósofo que ainda o consideram um símbolo do reacionarismo burguês; de outro, membros da família Kong, que não gostaram de ver a imagem de seu antepassado a poucos metros do túmulo de Mao. A estátua acabou sendo removida para um canto pouco visível do Museu Nacional da China. Em 2019, foi transferida para uma ala de personagens influentes da história. Sob o governo de Xi, a reabilitação que havia sido iniciada por seus antecessores tem ficado cada vez mais explícita.

O que antes era politicamente incorreto agora é politicamente conveniente. Considerado um dos mais respeitados sinólogos em atividade, David Shambaugh começou a visitar a China nos anos 1980. Ele vê uma semelhança entre as antigas dinastias e o centralismo do atual governo, tanto que em seu mais recente livro com perfis dos líderes chineses desde 1949 (“From Mao to Now”), Xi é chamado de “imperador moderno”. Mas a intensa promoção de Confúcio que o presidente lidera é algo que ainda o deixa intrigado.

— Xi vê a China como uma longa civilização. Ele não quer dissociar o passado do presente, ao contrário de Mao, para quem o passado da China era exatamente o problema do presente. Xi quer continuidade com o passado histórico. O confucionismo é um atalho para isso — diz Shambaugh, professor da Universidade George Washington.

Em novembro de 2013, menos de um ano após assumir a liderança do PCC, Xi repetiu a tradição imperial e fez uma visita a Qufu, onde exaltou a importância dos ensinamentos de Confúcio. Em seguida, o líder chinês emendou participações em vários outros eventos ligados ao filósofo, incluindo um no Grande Salão do Povo, o principal local de cerimônias nacionais. Foi um sinal claro de que o PCC queria mostrar ao mundo que Confúcio está de volta, observa Jiang Yi-Huah, ex-primeiro-ministro de Taiwan e um especialista em confucionismo político.

Xi chegou a dizer que os comunistas chineses sempre foram “herdeiros e defensores” da filosofia de Confúcio. “Mao Tsé-tung não acreditaria em seus ouvidos se estivesse vivo para ouvir o discurso de Xi”, comenta Jiang em um artigo. A conclusão é de que Mao mantém sua importância no panteão comunista, mas Confúcio é valioso para o PCC como forma de legitimar seu poder, diz Li Chenyang, professor de filosofia chinesa da Universidade Tecnológica Nanyang, em Cingapura.

— O governo usa o confucionismo para se legitimar. Não tem a ver com o bem e o mal. Política é poder. Os filósofos antigos como Confúcio estavam preocupados com a virtude humana e com uma sociedade harmoniosa, não pensavam no poder político. Há um conflito entre o que é correto moralmente e o poder político. Algo bom pode sair dessa reabilitação de Confúcio, mas em última instância não se pode confiar nos políticos. O objetivo deles é manter o poder.

https://oglobo.globo.com/mundo/com-xi-jinping-confucio-volta-com-tudo-para-legitimar-poder-comunista-25336451

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